Escrito por Gus Fiaux.
Leia a íntegra em https://www.legiaodosherois.com.br/2023/familia-jack-kirby-carta-aberta-documentario-stan-lee-disney.html
Imagem: Divulgação Marvel. Disponível em https://www.marvel.com/articles/tv-shows/documentary-stan-lee-now-streaming-disney-plus
FAMÍLIA DE JACK KIRBY LANÇA CARTA ABERTA EM RESPOSTA A DOCUMENTÁRIO SOBRE STAN LEE NO DISNEY+
Documentário foi criticado por omitir a participação de outros artistas na criação dos heróis da Marvel!
Na última semana, o Disney+ soltou o documentário biográfico Stan Lee, que conta um pouco sobre como o autor conseguiu construir um império com a Marvel Comics. No entanto, o filme tem sido motivo de críticas na internet, em grande parte por omitir ou subvalorizar a participação de outros artistas na criação dos maiores heróis da Casa das Ideias.
Agora, a família de Jack Kirby se manifestou sobre o filme. A neta do artista, Jillian Kirby, postou em seu perfil pessoal do Twitter, uma carta aberta escrita por seu pai – e, naturalmente, filho de Jack -, Neal Kirby. Na carta, o herdeiro de Jack fala sobre como Stan Lee passou anos se promovendo com as criações da Marvel Comics, e como já passou da hora de dar os devidos créditos aos demais criadores dos personagens da editora.
Você pode ler a carta na íntegra abaixo:
Declaração de Neal Kirby, o filho de Jack Kirby, a respeito do documentário de Stan Lee lançado no dia 16/06/2023 no Disney+
O poeta e estudioso islâmico do século XIII, Rumi, disse uma vez: ‘O Ego é um véu entre os humanos e Deus’. Na biografia documental do Disney+ sobre Stan Lee, o véu é erguido. Apresentado com uma narração em primeira pessoa de Lee, é o grande tributo de Stan Lee a si mesmo. A expressão literária do ego é o pronome ‘eu’. Qualquer professor decente de Inglês ou Jornalismo brigaria com seus estudantes para não usá-lo em abundância. Então, o desafio se estende a qualquer um que quiser contar quantas vezes a palavra ‘eu’ é dita ao longo da duração de 86 minutos de ‘Stan Lee’.
Eu (ops!) entendo que, sendo um documentário sobre Stan Lee, a maior parte da narrativa é contada em sua voz, literalmente e figurativamente. Não é segredo que há controvérsia sobre as partes envolvidas na criação e no sucesso dos personagens da Marvel. Stan Lee teve as circunstâncias fortuitas ao ter acesso ao megafone corporativo e as mídias, e ele usou isso para criar um mito próprio sobre a criação do panteão da Marvel. Ele fez de si mesmo a ‘voz’ da Marvel. Então, por várias décadas, ele foi o ‘único’ homem de pé, e foi abençoado com uma longa vida (meu pai faleceu em 1994). Deve ser notado e geralmente é aceito que Stan Lee tinha um conhecimento limitado de história, mitologia e ciência. Por outro lado, o conhecimento de meu pai sobre esses assuntos, ao qual eu e muitos outros podem atestar, era extensivo. Einstein resumiu bem: ‘quanto mais conhecimento, menos ego. Quanto menos conhecimento, mais ego’.
Se você pegar a lista cronológica de personagens criados para a Marvel entre 1960 e 1966, o período em que a maioria dos personagens da Marvel foram criados sob a tutela de Lee, você vai ver o nome de [Stan] Lee creditado como cocriador de todos os personagens, com exceção do Surfista Prateado, que foi criado unicamente pelo meu pai. Devemos assumir que Stan Lee teve uma participação na criação de todos os personagens? Devemos assumir que nunca foi o outro cocriador que entrou no escritório de Lee e disse: ‘Stan, eu tenho uma ótima ideia para um personagem!’? De acordo com Lee, sempre foi ideia dele. Lee passa um bom tempo falando sobre como e por que ele criou o Quarteto Fantástico, com uma única referência passageira ao meu pai. De fato, a maior parte dos historiadores de quadrinhos reconhecem que meu pai baseou o Quarteto Fantástico em um quadrinho de 1957 que ele criou para a DC Comics, ‘Challengers of the Universe’, até mesmo nomeando Ben Grimm (O Coisa) em homenagem ao pai dele, Benjamin, e Sue Storm em homenagem a minha irmã mais velha, Susan.
Apesar do conflito entre Lee e meu pai sobre créditos de criação ser vislumbrado sem muita menção, há mais destaque ao combate entre Lee e Steve Ditko, com a voz de Lee proclamando: ‘Foi minha ideia, logo eu criei o personagem’. A resposta de Ditko é que a sua arte e suas tramas foram o que trouxeram o Homem-Aranha à vida. Em 1501, a Opera del Duomo fez a comissão de uma escultura de Davi para Michelangelo, na Catedral de Florença – ideia deles, dinheiro deles. A estátua hoje é chamada Davi de Michelangelo – seu gênio, sua visão, sua criatividade.
Eu tive muita sorte. Meu pai trabalhava em casa em seu estúdio no porão em Long Island, que ele se referia como ‘A Masmorra’. Geralmente, de 14 a 16 horas por dia, sete dias por semana. A maior parte dos artistas, coloristas, roteiristas, trabalhava em casa, e não nos escritórios da Marvel retratados no documentário. Durante meu período no ensino fundamental e no colegial, eu pude ficar atrás do ombro esquerdo do meu pai, vendo por trás de uma nuvem de fumaça de cigarro, e testemunhar o Universo Marvel sendo criado. De forma alguma eu sou um historiador de quadrinhos, mas há alguns que pessoalmente viram o que eu vi e sabem disso tudo com conhecimento de primeira mão.
Meu pai se aposentou dos quadrinhos no começo da década de 80, e claro, faleceu em 1994. Lee teve trinta e cinco anos de publicidade incontestada, naturalmente, usando o sucesso e a marca da Marvel para se promover. As décadas de autopromoção de Stan Lee culminaram com suas aparições em 35 filmes da Marvel, começando com ‘X-Men’, em 2000, cimentando sua fama como o criador de tudo da Marvel para uma audiência leiga de milhões de pessoas, que não estavam familiarizadas com a verdadeira história da Marvel Comics. O primeiro crédito dado ao meu pai não surgiu até os créditos de ‘Homem de Ferro’, de 2008, após os nomes de Stan Lee, Larry Lieber e Don Heck. A batalha pelos direitos de criação existe desde a primeira inscrição em uma tabuleta babilônica. Mas já passou da hora de acertarmos pelo menos esse capítulo na história da arte/literatura. É isso.
Neal Kirby (filho de Jack Kirby)”
Como bem apontado pela carta de Neal, não é de hoje que existe controvérsias a respeito das criações dos heróis da Marvel Comics, uma vez que Stan Lee acabou sendo creditado durante anos como o criador “principal” da editora, relegando a um posto secundário nomes como Jack Kirby, Steve Ditko, Don Heck e muitos outros responsáveis pelo desenvolvimento da arte e das histórias desses personagens.
Nascido em agosto de 1917, Jack Kirby foi desenhista, ilustrador, arte-finalista, roteirista e editor de quadrinhos. O autor começou sua carreira em 1930, realizando diversas criações para a nona arte, até que vivenciou grande sucesso graças ao Capitão América, que ele cocriou ao lado de Joe Simon, em 1940.
Durante esse período, ele fez várias criações para a National Comics (que viria a se tornar a DC Comics), antes de se estabelecer ao lado de Stan Lee, criando boa parte do panteão da Marvel Comics na década de 60. Seus créditos se estendem a heróis como o Quarteto Fantástico, os Inumanos, o Pantera Negra, os Eternos, os Vingadores, o Hulk e o Surfista Prateado, entre outros.
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